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Artigo | As Marcas como Instrumento de Crescimento Empresarial

01/02/2004

Por Roberta de Oliveira Mendes

Com o advento da globalização, o que antes parecera um desafio remoto, tornou-se uma meta viável no plano de expansão das empresas: a possibilidade de conquistar mercados estrangeiros.

Parte relevante dos estudos de viabilidade da expansão de uma empresa para o mercado internacional é a avaliação de como se pretende posicionar o produto ou serviço a ser comercializado perante os consumidores do novo mercado.


A fim de se possa esclarecer que papel a marca desempenha nesse contexto, cumpre conceituar o que seja a marca em si e qual os limites de sua proteção jurídica, para então tecerem-se considerações sobre como ela pode ser utilizada de maneira inteligente pelos empresários brasileiros no posicionamento de seu negócio no exterior.

I – A Marca

Juridicamente, a marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que se presta a individualizar um produto ou um serviço dentro de seu segmento de mercado, diferenciando-o dos demais. A distintividade é a função precípua da marca e tem como corolário o combate ao risco de confusão entre marcas idênticas ou semelhantes perante o público consumidor, a fim de que esse não venha a consumir um produto ou serviço pensando tratar-se de produto ou serviço diverso, associando-o à imagem e reputação de uma outra empresa.

Às marcas atribuem-se as seguintes funções:

a) Função publicitária: a marca, conforme já mencionado, será fatalmente utilizada como interface entre o produto/serviço e o público consumidor. Por isso, antes de uma marca ser lançada no mercado, faz-se mister definir a imagem e os valores que se quer veicular por meio dela, a fim de que, quando o consumidor faça a opção pelo produto ou serviço identificado pela marca, esteja também se identificando com o valor atribuído àquele objeto.

As marcas de alto renome e as marcas notoriamente conhecidas são aquelas que atingiram em plenitude os objetivos de sua função publicitária, merecendo proteção especial do legislador pátrio, ao protegê-las contra o fenômeno da diluição e da concorrência desleal e parasitária.

b) Função de “garantia de qualidade”: Longe de ser uma função juridicamente conferida às marcas, a “garantia”, melhor dizer, a expectativa de qualidade em torno de uma determinada marca é resultante de sua “química” no mercado. A partir do momento em que conquista uma parcela fiel de consumidores, aquela marca estará ligada, para aquelas pessoas, a uma expectativa de qualidade, pela experiência de satisfação que tenham tido com o produto/serviço por ela designado. Vale dizer que a expectativa de qualidade por parte do consumidor corresponde justamente à reputação adquirida pela marca como resultado do investimento em sua imagem e uso consistentes junto ao mercado consumidor.

c) Função de Identificação de Origem: esta função está intrinsecamente relacionada com os primórdios da marca. Observe-se que já na Roma antiga apunham-se marcas nos objetos de cerâmica, a fim de identificar o artesão ou a oficina que lhe havia produzido. Com o desenvolvimento da economia, porém, observa-se que não há mais que se falar em marca como sendo o sinal que diferencie produto ou serviço de uma empresa dos produtos ou serviços de outra empresa. Isso porque aquela antiga conceituação ignora:

– que a mesma empresa pode ser titular de diferentes marcas para distinguir diferentes produtos e serviços oferecidos dentro de seu ramo de atividades, ou ainda ser titular de uma mesma marca para ramos econômicos distintos.

– que a marca pode ser licenciada, isso é, que possa ser explorada por pessoa diversa de seu titular.

– que a marca pode ser comercializada independentemente do estabelecimento a que está ligada.

d) Função Distintiva: Esta sim é a função juridicamente protegida pela marca, ao delegar o monopólio de um sinal marcário para um determinado titular em seu segmento de mercado. No fundo é também o que se pretende proteger por meio da proteção especial conferida às marcas notoriamente conhecidas e as de alto renome, já que as mesmas, por terem atingido uma distintividade maior, as primeiras dentro de seus segmentos de mercado, e estas últimas em termos absolutos, correm maior risco de ser imitadas por terceiros, numa tentativa de, parecendo-se com elas, tirarem proveito da predileção dos consumidores pelas mesmas.

Observe-se que quanto maior for o poder distintivo de uma marca, maior será sua capacidade de impor-se no mercado, tanto em relação ao reconhecimento dos consumidores, como em face de marcas similares promovidas por terceiros. Implica dizer que uma marca que ingresse em um mercado saturado de marcas semelhantes, enfrentará dificuldades de oferecer, com êxito, resistência à marca posterior que tente entrar no mesmo segmento de mercado. Isto porque a marca posterior também se beneficiará do fator de que se beneficiou a própria marca anterior ao buscar lograr registro junto à autarquia federal competente, qual seja a possibilidade de coexistência pacífica com marcas semelhantes dentro daquele ramo de atividades. Note-se que o consumidor, acostumado às semelhanças entre as marcas de um determinado setor econômico, estará mais atento aos fatores distintivos das mesmas, o que inversamente diminui o risco de confusão entre elas.

Se a marca, no entanto, é única, consistindo em termo fantasioso, sem significado próprio ou não habitual, maior será i) sua chance de opor-se com êxito contra marcas posteriores que reproduzam ou imitem seu elemento distintivo, ii) a resistência do próprio INPI em acatar o registro de marca posterior que se aproxime gráfica, fonética ou visualmente daquela, por ficar mais patente o ânimo de imitação ou reprodução, coibido pelo Art. 124, XIX da Lei da Propriedade Industrial.

II – O comportamento do consumidor brasileiro diante das marcas

Primeiramente cumpre ressalvar que cada setor de mercado atinge um público consumidor próprio. As características do público consumidor variarão em função da essencialidade dos produtos/serviços, de seu preço, de seus canais de distribuição, dentre outros fatores. Observe-se que, mesmo em se tratando de um só tipo de produtos, há diferenças entre as classes de consumo “A”, “B” e “C”. O consumidor de um carro de luxo, por exemplo, terá outras exigências e expectativas em relação ao produto que consome do que as apresentadas pelos consumidores de carros populares.

Evidentemente, a classe de consumo “A”, ditadora das tendências do mercado, terá maior rigor na escolha das marcas que consome e maior índice de fidelidade às mesmas. Em uma sociedade em que as pessoas passaram a se medir pelo valor do que consomem, é compreensível que as classes de consumo “C” e “D” se sintam pressionadas a tentar copiar as tendências dominantes no mercado.

A frustração de não conseguir adquirir os produtos “da moda”, torna estas classes potenciais consumidoras de produtos pirateados e falsificados. Consomem a imitação ou a reprodução da marca autêntica e contentam-se com ela, por ser muitas vezes o mais próximo que poderiam chegar das marcas de prestígio.

O vultuoso comércio da pirataria revela esse triste paradoxo: se por um lado as marcas pirateadas estão sendo prejudicadas por meio da diluição e da contrafação de seus produtos e, com razão, reclamam do baixo nível de “brandawareness” do consumidor brasileiro, por outro lado, resta claro que o Brasil tem desenvolvido, sim, uma cultura de culto às marcas, o qual acaba sendo vivenciado de forma distorcida pelas diferenças sócio-econômicas entre as diversas classes consumidoras.

III – O Comportamento da Classe Empresarial Brasileira diante das marcas

A baixa “brand awareness” (senso referencial da marca) atribuída ao consumidor pátrio é também reflexo do comportamento do próprio empresariado brasileiro, o qual, em geral, só se interessa em dar proteção à sua marca após o seu negócio já ter se estabelecido com relativo sucesso no mercado. Muitas vezes, os empresários só ficam alerta para a necessidade de se proteger o sinal marcário, após sentirem-se financeiramente ameaçados pela tentativa de proteção ou uso de sinal semelhante por um concorrente.

É preciso conscientizar o empresariado brasileiro que, em caso de conflito entre marcas, será dado, via de regra, preferência à marca anterior, isto é, à que foi depositada ou registrada primeiramente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

IV – A importância de se proteger a marca no Brasil

Segundo têm demonstrado as tendências econômicas internacionais, a marca pode vir a tornar-se o maior bem de uma empresa. Processos de fusões e aquisições recentes revelam que o valor do bem intangível, ou seja, da marca em si, pode importar em mais de 70% do valor envolvido em uma transação, superando em até quatro vezes o valor do ativo patrimonial negociado.

O que se negocia por meio de uma marca, afinal? Negocia-se sua reputação, uma fatia fiel do mercado consumidor e a expectativa de qualidade criada em torno dos produtos/serviços com os quais esta foi associada ao longo dos anos. Este seria, pelo menos, o caso de marcas já estabelecidas no mercado.

Mas o que é necessário para que uma marca atinja esse grau de distintividade e reputação? Como criar uma marca de sucesso?

Na verdade, não há como se prever de antemão se uma marca atingirá a plenitude de suas funções distintiva e publicitária. O sucesso de uma marca dependerá diretamente de fatores como investimento em sua divulgação, pré-concepção dos valores veiculados pela mesma, intensas pesquisas para se aferir as necessidades e exigências do público alvo etc.

É aconselhável que os departamentos de marketing das empresas trabalhem em estreita cooperação com os departamentos de marcas, isto porque é extremamente recomendável fazer-se uma busca de anterioridade e registrabilidade do sinal marcário pretendido antes de se investir maciçamente em uma marca nova, que se almeja lançar no mercado.

Estas são algumas medidas de precaução que devem anteceder à constituição de uma marca no Brasil:

a) Efetuar pesquisa de anterioridade, a fim de verificar se a marca pretendida conflita com direito anterior de terceiro naquele segmento de mercado.

b) Evitar usar palavras ou expressões descritivas, de uso comum ou vulgar, pois, além de haver o risco de elas incorrerem nas proibições do Art. 124, VI da Lei da Propriedade Industrial, os termos comuns ou descritivos geralmente se prestam a formar o que se usa chamar de “marca fraca”, ou seja, a marca que apresenta baixo nível de distintividade.

c) Se possível, procurar registrar nome comercial ou de fantasia semelhante à marca que se pretende proteger, a fim de ter proteção mais ampla, respaldada por dispositivos legais específicos.

d) Efetuar o depósito do pedido de registro da marca pretendida o quanto antes, lembrando que no Brasil o melhor direito é reconhecido aquele que primeiro depositou e não ao que primeiro utilizou a marca.

e) Investir na veiculação e divulgação consistente da imagem da marca, procurando associá-la a um valor específico com o qual se possa efetivamente identificar o público alvo de seu produto.

V- A proteção da marca em face da atividade exportadora

Avaliando-se o perfil do mercado consumidor europeu e o norte-americano, constatar-se-á seu extremo grau de seletividade e fidelidade marcaria.

Em um primeiro momento, pode ser desaconselhável entrar no mercado estrangeiro por meio de uma marca própria, pois o desconhecimento da mesma pode levar a uma baixa receptividade ao produto ou serviço comercializado por parte de seus consumidores.

Não implica dizer que não se deva buscar a proteção da marca na jurisdição correspondente, pois, conforme exaustivamente mencionado, a anterioridade do depósito da marca é a mais eficiente garantia do titular contra o uso desautorizado ou proteção de sua marca por terceiros.

Observe-se que, ao se procurar a proteção do sinal marcário no exterior, além dos cuidados acima mencionados para a constituição da marca no Brasil que podem ser analogicamente estendidos a outros países, deve-se ter em mente:

a) as vantagens de constituir um representante local que possa acompanhar todo o procedimento de registro da marca, consultando-o previamente sobre a registrabilidade do termo e as condições para o uso válido e legal da marca no país alvo;

b) o cuidado de verificar se a marca conflita com algum valor moral/social/religioso do país alvo, quer porque sua tradução signifique termo inapropriado ou porque sua pronúncia lembre uma cacofonia desvantajosa para a imagem do produto, ou ainda porque esteja vinculada a uma imagem negativa aos olhos do público alvo.

Caso o empresário prefira abdicar, num primeiro momento, de apresentar-se por meio de marca própria no mercado estrangeiro, em função da possível resistência do mercado consumidor à marca nova, apresentam-se como particularmente interessantes as seguintes alternativas:

– Adequação dos produtos ou serviços prestados às normas de qualidade e de certificação do país-destino.

– Contrato de fornecimento ou de licenciamento com marca afim, conhecida do público consumidor do país-destino.

– Associação com outros produtores/exportadores brasileiros sob a proteção de uma marca coletiva.

Há atualmente um grande esforço por parte do próprio governo, através do Ministério das Relações Exteriores, bem como de grupos de apoio à indústria, ao comércio e às micro-empresas de desenvolver a “marca Brasil”, isto é, associar os produtos brasileiros a uma imagem positiva, o que já vem sendo conseguido com merecido sucesso em alguns setores, como a moda-praia (em que o Brasil é verdadeiro trendsetter) e outros setores da moda, bem como em setores ligados ao beneficiamento de produtos agrícolas, como a indústria cafeeira e de produtos derivados de frutas tropicais.

O objetivo é, inicialmente, criar uma credibilidade em torno do produto brasileiro em si, para, a partir de então, gerar-se condição de competitividade das marcas brasileiras perante o mercado estrangeiro, na medida em que se trabalha a receptividade do público estrangeiro para o produto “made in Brazil”.

Roberta de Oliveira Mendes

BHERING ADVOGADOS
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