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Artigo | A aplicação do trade dress na indústria da moda

01/06/2008

Philippe Bhering

O conceito de trade dress, ou conjunto-imagem, pode ser definido como um conjunto de características bastante distintivas atinentes a determinado produto ou serviço, capaz de lhes conferir individualização própria, e, principalmente, de diferenciá-los dos demais semelhantes e insertos no mesmo segmento de mercado. A tese de proteção do trade dress tem origem nos Estados Unidos, especificamente no ano de 1992, por ocasião do julgamento do caso TWO PESOS, INC. v. TACO CABANA, INC. Na referida demanda, a rede de fast-food Taco Cabana propôs ação de violação de trade dress contra a concorrente Two Pesos, alegando a cópia indevida de todas as características visuais de seu estabelecimento. A Suprema Corte norte-americana reconheceu a originalidade das lojas Taco Cabana, impondo ao concorrente a alteração da fachada de seus restaurantes e das características imitadas.


Há alguns anos, conflitos envolvendo a imitação do conjunto-imagem chegaram aos nossos tribunais. Em sua maioria, as ações existentes tratam da cópia de embalagens – sobretudo envolvendo as indústrias farmacêutica e de alimentos – e de layout de estabelecimentos comerciais, como no caso paradigma norte-americano. Apesar da inexistência de um posicionamento jurisprudencial uniforme a respeito da matéria – ainda carente de análise por parte do STJ -, já há decisões judiciais reconhecendo a proteção do trade dress nas situações acima descritas.

Note-se que, embora amplamente reconhecida pela doutrina nacional, a proteção do trade dress não encontra referência direta e específica na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), o que dificulta uma orientação firme por parte dos nossos tribunais.
Os mecanismos para a sua proteção se revelam apenas através dos dispositivos que coíbem a prática da concorrência desleal.

O trade dress está relacionado à roupagem do produto ou do estabelecimento comercial, considerando-se a sua originalidade, bem como as suas características específicas e individuais. Consiste, pois, em cores, rótulos, texturas, gráficos, ornamentos, na estilização de letras e na configuração externa do produto ou serviço. Nesse contexto, inserem-se as criações decorrentes da indústria de moda. De acordo com a Lei da Propriedade Industrial, apenas eventuais melhorias funcionais das peças de vestuário, através dos modelos de utilidade, além de jóias e calçados, através dos desenhos industriais, por exemplo, são passíveis de proteção. Já criações envolvendo blusas, calças, saias e vestidos, quando analisadas como um todo, não possuem proteção para o seu conjunto, ou encontram dificuldade em seu reconhecimento, o que facilita a cópia de roupas e, até mesmo, de coleções inteiras.

A grande questão, portanto, é a aplicação do sistema de Propriedade Industrial à indústria da moda, especificamente em relação a peças do vestuário. A proteção via direitos autorais, ainda que teoricamente possível, é de difícil efetividade na prática, por ser somente admitida em relação a obras artísticas aplicadas ao produto. Logo, se o produto não contiver obra protegida por direitos autorais, não encontrará respaldo na lei que regula a matéria.

O mercado da moda movimenta bilhões de dólares, seja na importação, exportação ou comercialização interna. Com isso, cresce a preocupação em se garantir exclusividade sobre as criações nele existentes. Consideram-se, aí, todas as características de uma linha de roupas, desde a estilização das peças, dos desenhos, até as texturas, o corte, os ornamentos, e as estampas, que, somadas e analisadas no conjunto, podem ser imediatamente associadas à determinada empresa, funcionando como demonstrativo de origem e qualidade.

A aplicação do trade dress neste mercado surge como alternativa de proteção mais ampla e eficaz, que considera a criação como um todo e não os seus detalhes específicos, resguardando, ao máximo, estilistas, designers e fabricantes, enfim, a indústria fashion em geral.

O primeiro precedente judicial em que se reconheceu a aplicação do conceito de conjunto-imagem no âmbito da indústria de moda igualmente remonta aos Estados Unidos, país que, efetivamente, criou e desenvolveu a tese de proteção do trade dress. A Suprema Corte dos Estados Unidos, em 2002, no caso WAL-MART STORES, INC. v. SAMARA BROTHERS, INC., fixou o entendimento no sentido de ser possível a proteção do trade dress de produtos – e não apenas de embalagens e estabelecimentos comerciais -, desde que suficientemente distinto, e presente o risco de confusão por parte do consumidor. No caso, a fabricante de roupas infantis SAMARA BROTHERS alegava a violação do trade dress de suas peças por parte da rede varejista WAL MART, que, à época, encomendou uma linha de roupas baseada nas peças de sua coleção. No País, por outro lado, a discussão a respeito da matéria ainda é incipiente, mas já se tem notícia de recente decisão judicial, ainda não transitada em julgado, reconhecendo a proteção do conjunto-imagem de peças de roupa.

Esse entendimento possibilita, de maneira transversa, uma proteção mais ampla das criações decorrentes da indústria de moda. A análise em eventual conflito leva em consideração a criação como um todo, a partir do exame de todas as características que tornam o produto – no caso roupa – característico e individualizado.

Em tempos em que a imitação no mundo fashion torna-se cada vez mais freqüente, cresce também o número de controvérsias envolvendo a exclusividade e a originalidade das criações. Nesse cenário, o reconhecimento do trade dress de roupas possibilita uma efetiva proteção das criações inerentes à indústria da moda, assim como um combate mais eficaz às imitações até então quase sempre impunes. Esse posicionamento surge, pois, como fator preponderante na repressão à pirataria, desestimulando a sua prática e punindo os infratores, inclusive através do pagamento de indenizações.

Philippe Bhering

BHERING ADVOGADOS
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